Choque tarifário: poderá a iniciativa de Trump desencadear uma recessão global?

Para empurrar a economia mundial para uma recessão, é normalmente necessário um choque verdadeiramente maciço. Desde a Segunda Guerra Mundial, só se registaram dois eventos deste tipo - a crise financeira de 2008-2009 e a pandemia de COVID-19 em 2020. No entanto, as tarifas introduzidas por Donald Trump no que ele chamou de "Dia da Libertação" podem muito bem tornar-se o catalisador de outro colapso económico.
O "Dia da Libertação" e as suas consequências de um bilião de dólares
Em 2 de abril, o Presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou a introdução de "tarifas recíprocas" sobre todas as importações. Denominada "Dia da Libertação", a iniciativa inclui o seguinte: uma tarifa de base de 10% sobre todos os bens importados para os Estados Unidos, a partir de 5 de abril. A partir de 9 de abril, entrarão em vigor "tarifas recíprocas" - taxas mais elevadas dirigidas a países específicos. Entre os mais afectados estão a China (54%), o Vietname (46%), o Japão (24%), a Coreia do Sul (25%) e a União Europeia (20%). Algumas mercadorias, incluindo automóveis e produtos electrónicos, estão sujeitas a taxas adicionais.
De acordo com as estimativas da Evercore, se a tarifa média atingir os 29%, o custo total anual para os importadores dos EUA poderá exceder 1 bilião de dólares - ou aproximadamente 7.300 dólares por agregado familiar. Isto poderia levar ao aumento dos preços, à escassez de produtos e a uma queda acentuada na procura dos consumidores.
Além disso, a restrição do acesso ao maior mercado consumidor do mundo poderia afetar seriamente as economias dependentes da exportação, como a Alemanha, a China e o México. Dada a complexidade das cadeias de abastecimento globais, mesmo a aplicação parcial desta política pautal poderia causar perturbações significativas a nível mundial.
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Reação dos líderes mundiais
Os líderes mundiais não perderam tempo a reagir ao anúncio de Trump. A China denunciou as tarifas como uma violação das normas do comércio internacional. O Ministério do Comércio chinês alertou para o facto de as medidas poderem causar graves perturbações nas cadeias de abastecimento mundiais e prometeu tomar contra-medidas. Os analistas alertaram para o facto de esta medida poder agravar ainda mais as tensões comerciais entre os EUA e a China e aumentar a pressão inflacionista sobre a economia americana.
O Canadá também reagiu com fortes críticas. O Primeiro-Ministro Justin Trudeau comprometeu-se a defender os interesses dos trabalhadores canadianos e insinuou a possibilidade de aplicar direitos aduaneiros de retaliação.
Taiwan, que está agora sujeito a uma tarifa de 32% (excluindo semicondutores), lamentou a decisão e afirmou que procuraria manter conversações diretas com Washington. As autoridades taiwanesas referiram também que as anteriores restrições tecnológicas impostas pelos EUA à China contribuíram para o desequilíbrio comercial que Trump procura agora resolver através de direitos aduaneiros.
A Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, comentou as acções dos EUA:
"Este é um grande golpe para a economia mundial. A economia global sofrerá significativamente, a incerteza aumentará e o protecionismo intensificar-se-á. As consequências serão terríveis para todos", disse ela.
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Pânico no mercado
O mercado reagiude imediato: os futuros do Dow, Nasdaq e S&P 500 caíram entre 2% e 4% antes mesmo da abertura da sessão de negociação. Os índices europeus e asiáticos seguiram o exemplo, também em queda. No mercado cambial, o dólar americano fortaleceu-se com a fuga dos investidores para activos de refúgio, enquanto o ouro atingiu novos máximos.
Os analistas do JPMorgan acreditam que, se a atual retórica dos EUA continuar sem negociações, o confronto comercial pode transformar-se numa guerra económica em grande escala. Nesse caso, o PIB global em 2025 poderia diminuir 1,5-2% em comparação com as previsões atuais, com a recessão afetando as economias dos EUA, da UE e da Ásia.
As tarifas de Trump atingem as criptomoedas
Inicialmente, o mercado das criptomoedas reagiu positivamente ao anúncio de uma tarifa de base de 10%, uma vez que os investidores o viram como um sinal de uma abordagem moderada. No entanto, quando o escopo completo da iniciativa ficou claro - incluindo taxas significativamente mais altas para países específicos - o sentimento do mercado mudou rapidamente. Seguiu-se uma venda generalizada.
Ethereum caiu mais de 6%, caindo de $ 1,930 para $ 1,800. A capitalização total do mercado de criptografia encolheu 5,3%, para US $ 2,7 trilhões. O Crypto Fear & Greed Index caiu para 25, sinalizando "medo extremo" entre os investidores.
O Bitcoin subiu brevemente para $ 88.500, mas depois perdeu mais de 5%, caindo para cerca de $ 82.800. Mais tarde, os preços começaram a recuperar algumas perdas. Na manhã de 3 de abril, o Bitcoin tinha recuperado para $83.200, enquanto o Ethereum subiu de volta para $1.800.
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Esta recuperação pode indicar que, apesar da pressão, o mercado mantém a resiliência e a capacidade de adaptação. Ao mesmo tempo, alguns investidores vêem a correção como uma oportunidade para entrar em posições a preços mais baixos.
Setor mineiro sob pressão
As novas tarifas tornaram-se uma séria ameaça para a mineração de Bitcoin. Os ASICs - os dispositivos especializados necessários para a mineração - são predominantemente fabricados na China e em Taiwan. Espera-se que o aumento das tarifas aumente seus preços e complique a logística.
É importante lembrar que as recompensas por bloco permanecem fixas e não permitem que os mineiros compensem o aumento dos custos operacionais. A curto prazo, esta situação poderá levar à consolidação do mercado e a um aumento da quota dos maiores operadores.
"O aumento dos preços dos ASIC pode forçar alguns mineiros americanos a sair do mercado e reduzir a dificuldade da rede - potencialmente aumentando a rentabilidade para aqueles que conseguem sobreviver", diz Darcy Dobaras, CFO da Hive Digital.
Poderá isto ser uma oportunidade?
Apesar do pessimismo generalizado, alguns participantes no mercado vêem potenciais vantagens nos actuais desenvolvimentos. A saída dos operadores mais fracos poderá melhorar a eficiência global da exploração mineira. Ao mesmo tempo, o aumento das receitas tarifárias pode permitir ao governo dos EUA comprar mais Bitcoin através de uma estratégia neutra em termos orçamentais - uma estratégia que não dependa dos fundos dos contribuintes.
Se parte da receita tarifária for alocada para a construção de uma reserva soberana de criptomoeda, ela pode se tornar uma nova ferramenta para fortalecer a resiliência financeira.
Alguns investidores também acreditam que a crescente incerteza económica e o enfraquecimento do dólar conduzirão a um interesse renovado em activos descentralizados como o BTC. Isso poderia beneficiar o mercado de criptografia a médio e longo prazo.
O que vem a seguir?
As novas tarifas continuarão a ser uma manobra política ou evoluirão para uma política sistémica com consequências a longo prazo? Isso ainda está para ser visto. O que já está claro, no entanto, é que o confronto comercial que se desenrola entre os EUA e as maiores economias do mundo poderia reescrever fundamentalmente as regras do comércio global.
A incerteza criada por estas tarifas está a obrigar os investidores a reavaliarem as suas estratégias. Alguns estão a apostar na volatilidade a curto prazo, enquanto outros se preparam para mudanças estruturais na economia global. Dadas as tendências actuais, o comércio internacional, as cadeias de abastecimento transfronteiriças e as indústrias sensíveis, como a automóvel e a tecnológica, estão todas na zona de alto risco.
Para o mercado de criptografia, este momento representa não apenas um desafio, mas também uma oportunidade. Apesar do recuo, o mercado ganhou a clareza necessária: os intervenientes institucionais compreendem agora melhor o âmbito e a intenção da nova política. Isto abre uma janela de oportunidade - tanto para uma entrada estratégica com avaliações mais baixas como para repensar o papel dos activos descentralizados.
A longo prazo, estas tarifas podem até funcionar a favor de certas criptomoedas - posicionando-as como activos alternativos fora do controlo dos governos e dos bancos centrais.